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A Revolução

por Edgard Leite (Diretor do Instituto Realitas)


O tema da revolução é o grande tema de Hobsbawm.


Mas o que é a revolução?


Hobsbawm busca, na história, a confirmação da teoria de Marx sobre a revolução social.


É necessário dizer que, em Marx, a revolução é um processo pelo qual se dá a substituição de uma classe por outra no poder.


Considerando que o conceito de classe é extremamente ambíguo e precário, e que Marx estava preocupado, principalmente, com a ascensão da classe proletária, os trabalhadores industriais, ao poder, é natural que os historiadores marxistas tenham feito grandes malabarismos para encontrar, na história, esse fenômeno que Marx concebeu na sua teoria.


Ou seja, a de que a Revolução, corretamente dita, seria sempre uma transformação política e jurídica derivada da mudança de classes no poder.


Tal esforço em fazer a realidade convergir para a teoria encontra um momento importante no livro de Hobsbawm, a Era das Revoluções.


Seu grande objeto é, provavelmente, a Revolução Francesa, a qual reúne as características, em sua opinião, de ser ao mesmo tempo uma revolução da “classe burguesa”, para tomar o poder, e um ensaio das contradições do modelo, que já sinaliza em si a futura revolução social, proletária, que marcha na direção do socialismo.


Assim, ele entende as agitações sociais que se seguem à Revolução Francesa como eventos que comprovam as angústias de setores sociais subalternos que, por força e pressão da “história”, buscam alcançar o poder. Querem fazer uma revolução.


Como sempre, o que preocupa Hobsbawm é a questão legal do direito de propriedade. A futura dissolução da propriedade privada, a necessária eliminação da “exploração do homem pelo homem”, a construção da sociedade de iguais.


É em função desse futuro, futuro hipotético no qual acredita ser, seguindo Marx, inevitável, que ele entende os acontecimentos passados.


Isto é, Hobsbawm constrói uma narrativa do passado a partir de uma visão ideal do futuro, pois como todos os marxistas, acredita que a explicação de Marx deriva de constatações científicas. E assim o que vimos e vemos são os sinais de algo que acontecerá.


Evidentemente que o pensamento de Marx está longe de ser um pensamento científico. Pois é também evidente que os seres humanos não são máquinas, nem componentes de um organismo.


Os humanos são individualmente diferentes uns dos outros, e tomados, cada um, de ambições particulares, enraizadas em personalidades únicas.


E se movimentam em grupos, hordas ou individualmente, tomando decisões ditadas pelos seus desejos, pelos ressentimentos, por falsas e verdadeiras ideias sobre as coisas.


E as ditas classes, ou, de uma forma mais clara, os grupos sociais, não parecem possuir uma "consciência em si" que possa se tornar um vetor de ação política coletiva, a não ser por obra de manipulação de alguns sobre muitos, e mesmo assim de forma precária e transitória.


Como o prova, aliás, a história do movimento operário, que jamais se tornou vetor de uma nova ordem política. A não ser quando tutelado ou manipulado por políticos ou intelectuais não operários.


Só isso pode explicar o fato de nada ter funcionado de acordo com o pensar de Marx. Nem a classe operária depôs a dita burguesia, nem os trabalhadores industriais se desenvolveram a ponto de ser a classe dominante.


Ao contrário, os operários industriais foram gradualmente perdendo sua importância econômica, social e política ao longo do século XX. Além de irem desaparecendo, na medida em que a automação se espalhava pelas industrias.


Porque os seres humanos queriam muitas outras coisas: carros, celulares, computadores, roupas. Mas não aquilo que Marx dizia que eles queriam.


Dessa maneira, Hobsbawm reconstrói a história a partir de um futuro imaginado, ilusório, porque hipótese sem nenhuma ciência, fazendo, para isso, no passado, aquilo que os utopistas sociais fizeram, durante o século XX, nas sociedades: extirpando tudo aquilo que vai contra o seu objetivo político, que se volta contra a sua narrativa.


E realizando aquilo que a esquerda faz para alcançar o poder: cimenta a narrativa política em cima da mentira, da ilusão. Pois a plataforma da esquerda é, em si, uma plataforma ilusória. Pois as transformações, se ocorrerem, sempre ocorrerão no futuro.


Assim, não importa muito, para Hobsbawm, quantos morreram na revolução francesa, Nem as destruições e devastações causadas não por uma classe, mas por diferentes setores da sociedade radicalizados pelos ressentimentos, pela mentira, pela falta de confiança no próximo.


Nem que gerações de franceses, de diferentes origens sociais, tenham sido ceifadas a tal ponto que a cultura política da França ficou fadada à uma instabilidade contínua por dois séculos.


Nem que aquele tumulto social descontrolado seja um fenômeno observado de forma comum na história dos seres humanos, quase sempre pelas mesmas razões:

ressentimentos, inveja, fome, miséria. E que a ideia que por ele é defendida, a de que tudo é fruto de uma classe burguesa com ideias próprias de poder para si, contradiz o fato de que a revolução causou caos e ruína. Bem prejudicial aos interesses “burgueses”.


Hobsbawm, ao contrário, considera a Revolução Francesa modelo e representação de um movimento social que contém em seu interior o germe de uma nova sociedade, e por isso é legítima, independente da destruição e do morticínio.


Ele não se importa com o que a Revolução Francesa pode dizer ao ser humano sobre sua natureza. Mas sim quer afirmar seu modelo destruidor como justo, porque, supõe, depois da destruição, e por conta dela, virá, em algum momento, uma sociedade de iguais.


É uma defesa da destruição e do desprezo pelo ser humano, porque entende que a boa existência humana deve estar subordinada à sua adequação à utopia. Esta vale todo massacre, toda desgraça, toda tirania.


Mas onde está essa utopia? No futuro. Apenas.


O passado é assim reconstruído em função do futuro. Não importa sua realidade, não importam os fatos. Mas apenas a teoria revolucionária deve ser o guia para entende-lo. A narrativa sobre o passado é narrativa política sobre o presente em função de coisas futuras.


Como no futuro estaremos todos mortos, como dizia Keynes, o que sobra, dessa revolução infinita que se espalha pelo mundo contemporâneo, é, para os vivos, apenas destruição e morte.


E domínio de um poucos tiranos sobre muitos, oprimidos. Tiranos que se alçam ao poder precisamente por conta do rastro de destruição deixado pelas revoluções infinitas.


Mas, para Hobsbawm, isso é bom. A destruição é o bem.


É claro que isso configura uma inversão ética e moral de impossível solução. Mas seus livros continuam sendo levados em alta conta. E são modelos.


Para quê? É a pergunta.


Pode o ser humano contentar-se apenas com a destruição do mundo?


A acompanhar o imenso sucesso de Hobsbawm é necessário dizer que muitos encontram, sim, satisfação na vivência de projetos de aniquilação.


E, nesse sentido, Hobsbawm, no seu imenso sucesso, nos diz muito sobre os nossos desafios éticos e morais.


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