Edgard Leite Ferreira Neto
A Bíblia deve ser lida com reverência sagrada. Há uma insistência contínua, desde Espinosa, pelo menos, em tratar a Bíblia como um livro qualquer. Concordam muitos, hoje, na mídia e na universidade (como se lidassem com uma verdade incontestável), que foi concebida e escrita por homens e, depois, que é fragmentada e expressa as personalidades e os tempos humanos.
Já bastaria, é claro, tal afirmação, para comprovar a existência de uma guerra contra o texto sagrado, que é, no entanto, embora moderna nessa forma, um conflito antigo. Este emergiu como realidade logo nos primeiros momentos em que foi percebido que aquelas linhas continham muito mais que letras e palavras vindas do humano. Porque a Bíblia nunca foi um livro comum, mas o registro de algo infinitamente maior que o comum: a palavra de Deus, pura excepcionalidade.
A narrativa da história da perseguição da Bíblia por diferentes forças do mundo é parte integrante da própria Bíblia. E ela antecipa como o ser humano é capaz de esquece-la, como o povo hebreu o fez na época do primeiro templo, e em diversos outros momentos. Ou queimá-la, quando sua verdade é inaceitável pela crença no comum, como as palavras escritas de Jeremias incineradas pelo rei Jeoaquim. Ou desprezá-la e ignorá-la, como fizeram os fariseus quando Jesus leu Isaias 61,1 na sinagoga de Nazaré.
O paradoxo da Bíblia é o de que quanto mais é atacada, mais forte permanece. Quanto mais negada, mais afirmada. Quanto mais destruída, mais produzida. Não é por acaso que, precisamente no despertar da modernidade, quando a cultura de massas emergia e a crença ridícula na infinita potência humana começava a se desenvolver, a imprensa tenha sido criada. E seu primeiro livro impresso foi a Bíblia.
Esse fato inaugurou o mistério da profusão infinita de edições e traduções das Escrituras, que se avolumam quanto mais estas são negadas e proibidas. Muitos países, hoje, proíbem a Bíblia. Para um livro humano, escrito fragmentariamente por humanos, essas proibições não seriam exageradas? De fato, seriam. Se fosse apenas isso.
A questão é que embora escrita por muitos seres humanos, não o foi de forma fragmentária, mas sim miraculosamente sincrônica, para além das personalidades e dos tempos. Ela contém uma tese única e salvadora, mais profunda e universal que a de qualquer outro livro religioso já escrito: precisamente porque não expressa o conteúdo das palavras humanas, mas sim a palavra de Deus, presente com a mesma integridade em muitas mãos e momentos.
Nenhum outro livro apresenta uma jornada literária tão extraordinária quanto a Bíblia. Porque não é livro, apenas, mas caminho espiritual. Ler a Bíblia, com reverência, não é leitura, somente, mas contato com o Espírito. Não é obra do homem, mas da Eternidade através dos humanos. Quando a lemos não é nossa voz que escutamos, mas a do infinito que se coloca no mundo.
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