Edgard Leite Ferreira Neto
Minha filha me perguntou, preocupada, o que eu acho da sentença “o Homem, sem Deus, é uma caricatura do Homem”. Essa questão é difícil, pensei. Lembrei-me, então, de uma observação de meu pai, um tanto pessimista, na verdade: “a pessoa, quando envelhece, se torna uma caricatura de si mesma”.
Numa caricatura, os aspectos marcantes de alguém são exagerados. Uma boca pequena num rosto normal, se torna uma boca minúscula num rosto gigantesco. Um sorriso largo passa a ocupar toda face. Um aspecto de personalidade, não visível, mas marcante, se torna atributo físico e deforma ou transtorna a representação.
Então, segundo meu pai, quando envelhecemos, tudo que temos de característico se acentua. Se somos rabugentos, nos tornamos mais; se silenciosos, mais ainda; se caseiros, eremitas.
A caricatura se constrói a partir de um exagero de nossas particularidades: de nossas belezas, feiúras, harmonias e desequilíbrios. Fazem-se caricaturas de mulheres bonitas e de homens horrorosos, realçando sempre exatamente aquilo que é lindo ou feio. Em geral há um aspecto cômico contido nelas. Mas nem sempre. Às vezes uma caricatura apenas faz refletir sobre a pessoa retratada, e sobre nós mesmos.
A pergunta da minha filha possui uma profundidade bem maior que a observação do meu pai, que, de resto, é cômica. Ela mesma uma caricatura do que é a velhice e do processo pelo qual, em nós, reforçamos com o tempo nossas natureza e convicções. A pergunta fala, na verdade, sobre o fato da caricatura ser tanto uma distorção quanto um meio para refletir sobre a realidade.
O Homem possui uma origem: Deus, o mistério. Saber que a alma humana não é dependente da matéria, mesmo que com ela esteja em conexão, é relevante para entender, pela razão, de que mais reais somos quanto mais em conexão com nossa essência estamos. O desenvolvimento da nossa personalidade, de maneira a estruturarmos nossa vida interior corretamente e agirmos moralmente no mundo, passa pelo reconhecimento do mistério e de tudo que esse reconhecimento significa. O Homem não é apenas deste mundo, mas também de um outro mundo. A origem de sua alma está em Deus, e lá também é o seu destino.
Nesse sentido, um homem sem Deus é uma caricatura do que ele é. Os seus desejos com relação ao mundo são artificialmente hipertrofiados, dominam sua consciência e pesam sobre seu caminho. Seu corpo, que é transitório, parece, no entanto, para ele, ser eterno, e sua modificação contínua gera terror permanente na consciência que nele habita. A sua visão é limitada e seus olhos são minúsculos, pois só consegue ver o aparente e caminha agregado a equipamentos diversos, microscópios e telescópios, para ver melhor esse mundo visível, que, no entanto, esfumaça permanentemente.
É sim, portanto uma caricatura, o homem sem Deus. Mas isso não lhe retira a dignidade própria da condição humana, nem a grandeza de sua alma, e o sentido de seu destino. Porque pode, simplesmente, a qualquer momento, retornar ao seu interior e encontrar sua realidade. Porque o homem, quando está com Deus, não é caricatura, mas ser real. Sua alma eterna e seu intelecto estão em conexão com o infinito.
Se se fosse dele fazer uma caricatura esta corresponderia exatamente àquilo que ele é.
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