Edgard Leite Ferreira Neto
A ideia de que os antigos não conheciam o conceito de perdão, em toda sua amplitude, é sustentada por alguns autores. É uma possibilidade. Para Aristoteles, por exemplo, o tema, em si, era desconhecido.
Quando trata do conflito entre pessoas, Aristoteles, na Retórica, discute esse sentimento avassalador, que é a ira. Entende a raiva como reação inevitável do Homem a uma ofensa sofrida. E o que é uma ofensa? Acima de tudo, segundo ele, um ato de desprezo. Desprezo pelo ofendido, pelas suas coisas, pela sua natureza, pelo que é.
Para Aristoteles, existiam duas formas de apaziguar a ira do ofendido. A primeira era a da admissão do erro por parte do ofensor. Um pedido de desculpas. Mas o fundamental, nesse pedido, era a clareza na manifestação da própria humilhação. Isso não exigia uma avaliação qualquer, íntima ou pública, sobre a natureza da ofensa. Não era uma questão de conteúdo, mas, sim, de atitude.
Não se esperava, do irado, por outro lado, nada além do que a satisfação de ver o outro reconhecendo sua superioridade. Porque sendo o rebaixar-se o oposto do desprezo, isto é, o reconhecimento de uma grandeza, a ira não tinha mais porque ser sustentada.
A segunda forma também residia numa atitude do ofensor, mas, ao invés da humildade, através de uma vigorosa manifestação de força. Pois é impossível, como explicou Aristoteles, na Retórica, “ter medo e ficar irado ao mesmo tempo” (II:3:2). Independente da justiça ou não da ofensa, demonstrar poder serviria para aplacar iras. “Eu o ofendi porque tenho poder para isso, logo, tenha medo de mim e aceite a ofensa, isto é, meu desprezo”.
Isso tudo é verdadeiro. E observamos tais fatos cotidianamente. Quando pedimos desculpas, reconhecemos o outro. E quando precisamos sustentar a necessidade da ofensa, ou, melhor, do desprezo, erguemo-nos diante do ofendido com autoridade. Neste último caso com força física, ou com procedimentos afetivos ou racionais indiscutíveis (ou tidos por tal). Os argumentos de autoridade dissipam as iras, porque instalam pavor.
Para Aristoteles, a solução do problema da ira repousava, portanto, exclusivamente, em bem sucedidas soluções para as relações de poder, sempre na direção do triunfo da arrogância. Poderia, assim, a ira ser transformada em serenidade. O conflito se encerrava naquelas circunstâncias.
Mas que serenidade era essa, que repousava sobre a vaidade, apenas, e desconsiderava qualquer juízo de valor sobre a natureza do desprezo ou da ofensa, é difícil de dizer. Aristoteles desconsiderava, nesse processo, a ternura, o arrependimento e, realmente, para ele, não se colocava o tema do perdão. Pois no perdão se igualam, pelo amor, o ofensor e o ofendido.
Na Odisséia, em seu canto 4, o filho de Ulisses, Telêmaco, encontra Helena, a responsável pela Guerra de Tróia. Foi ela, ao se apaixonar pelo troiano Páris e abandonar o marido Menelau, que deu início à tragédia cantada por Homero. Pois Menelau moveu todos os gregos para resgatá-la. Telêmaco a vê reunida a seu marido. E, apesar de todo o ocorrido, Helena aparentava estar em excelente relação com Menelau, e nenhuma sombra dos acontecimentos era perceptível entre eles.
Haveria aqui a experiência do perdão, subentendida, mas não nomeada ou pensada? Apenas a humildade de Helena teria aplacado a ira de seu marido? Seria a ira de Menelau causada apenas pela humilhação de ser traído? Ou havia nele um amor maior por Helena, que, depois, levou ao perdão?
A questão é significativa, porque através dela podemos entender quão transformadora foi a mensagem bíblica sobre o papel essencial do perdão na gestão das nossas contínuas arrogâncias. Pois sem o perdão, mesmo na simples desculpa ou no exercício da força, as vaidades e os ressentimentos continuam vivos. Donde ser importante agregar ao processo a capacidade do ofendido de perdoar, ou seja, de se tornar humilde.
Por isso é impressionante a tônica da restauração pagã do mundo em que vivemos. Neste, o que importa, nos conflitos humanos, é, apenas, a satisfação da vaidade e da prepotência. Um mundo sem ternura e repleto de arrogâncias não funcionou, e recebeu a mensagem de Deus com alívio. Continua sendo assim. Receber a mensagem do perdão segue sendo libertadora.
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