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A degeneração da política e outras escuridões


Edgard Leite Ferreira Neto


A tragédia do nosso tempo não está na perda de todo princípio ético ou na sua imoralidade. Isto é normal nos seres humanos. Não há momento da história em que o Homem não seja um pecador. O trágico está na insistência contínua e crescente de uma política cujo objetivo é a dissolução de toda ética e de toda moral.


Nos últimos duzentos anos (e a isso chamamos o nosso tempo), pensadores das mais diferentes tendências tem advertido continuamente contra a marcha suicida da política. No nosso caso, as profecias terríveis do Padre ítalo-brasileiro Gabriel Malagrida(1689-1761), dezoito anos antes da Revolução Francesa, sinalizavam a percepção fundadora de que a desagregação moral do Estado já era, então, uma tendência avassaladora.


As afirmativas de Jean-Jacques Rousseau(1712-1778) de que os seres humanos devem ser libertos das amarras das tradições religiosas, de uma formação moral e ética que os contenha e conduza e que os fundamentos das ações humanas devem ser principalmente seus desejos, é um ponto de inflexão no mundo em que vivemos.


Mas não foi ele, certamente, o único responsável. Ele está inserido em um movimento que busca livrar o ser de qualquer inclinação ao virtuoso. E não é o único responsável porque essas ideias, a de que podemos ser apenas desejo e que devemos pecar sem qualquer tipo de discernimento, não é estranha às ansiedades humanas. A sua relevância, e a de outros, é a de dar corpo conceitual a essas ansiedades e de pretender transformá-las em política de Estado.


Não é outro o caminho percorrido desde então. De forma crescente as barreiras virtuosas de controle foram sendo rompidas uma a uma. A cada geração aprofunda-se não apenas na prática, mas também na teoria, o pensamento de que o Homem pode e deve ser o que quiser. Que os desejos devem ser livres, não deve haver controle ou impedimento ao egocentrismo e cada um pode ser Deus naquele meio que lhe cerca. E isso justifica toda ação política.


Deve ser anotado que mentalidades preocupadas ou horrorizadas perceberam, na Revolução Francesa, nas guerras napoleônicas, nos conflitos coloniais do século XIX, e, principalmente, no ciclo de guerras infernais de 1914-1945, com seus genocídios e atrocidades infinitos, que esse movimento, ao tomar o humano, era destruidor do próprio humano.


As ditaduras utopistas do Iluminismo prometeram (e continuam prometendo) ao ser humano a realização de todos os seus desejos: dinheiro, sexo, poder. Mas se esquecem que os desejos humanos são infinitos, e incluem vontades incontroláveis de vingança, de humilhação do próximo, de ingratidão, traição, desconhecimento, massacre e carnificina. Uma política dos desejos é uma política de maldades. Por ela se destroem as amizades, o amor, as famílias, a liberdade. Tudo que é bom.


Além do mais, esses utopistas são pura mentira: não se pode dar dinheiro a todos, nem o sexo pode ser desprovido de conflitos e sem ética e moral não há poder em ninguém, apenas usurpação.


O aprofundamento da tragédia do século XX no universo do século XXI, continua prenunciando outros holocaustos: de vidas, humanidades, consciências e virtudes. A escuridão dos desejos humanos transformados em política pública, ocupando as posições dirigentes, obscurece o movimento ao bem, que reside na alma.


A resistência a esses horrores, nos dois últimos séculos, como atos de consciência, de exercício da liberdade, tem repousado na crença naquilo que, em nossa alma, nos convida ao discernimento: aceitar a existência de limites ao que desejamos. E para isso é bom estarmos juntos àqueles que amamos, dos quais somos amigos, diante dos quais somos colocados para reafirmar, em nós, a crença na plenitude.


Porque se o mal move as multidões, as move de forma artificial. Apenas na natureza do bem, que para todo bem conspira no universo, está a essência das coisas. E o bem também move os povos.


No bem brilha, e sempre brilhou, a luz, diante das trevas do mundo. E é esta luz, que ilumina os vivos, que conduz às virtudes, caminho que devemos trilhar, mesmo na mais completa escuridão. Como escreveu há milênios, o salmista: "em ti está a fonte da vida;

graças à tua luz, vemos a luz" (Sl 36:9). Não há escuridão que resista a essa simples e profunda realidade do mundo. E, procurando-a, a realizamos.


Pois mesmo nos nossos tempos a luz continua brilhando e ressurgindo a cada momento. Em nós, naqueles que nos cercam e também na política.


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