Edgard Leite, Diretor do Instituto Realitas, Presidente da Academia Brasileira de Filosofia
É muito importante que as famílias possam ter sua integridade preservada.
O movimento, que hoje existe, é no sentido de destruir tal integridade. Não há qualquer ação consistente, por parte do Estado, em mante-la, valorizá-la. A sociedade, em si, também se movimenta timidamente na sua preservação.
Em grande medida porque, assim se propagandeia, um mundo sem uma família íntegra é um mundo no qual os indivíduos podem fazer o que querem, quando querem, da maneira que querem, sem maiores compromissos com aqueles que os geraram, ou com aqueles que os amam.
É claro que tal ruptura entre a fonte da própria vida, os pais, e o sentido da vida individual, desliga o homem de sua origem, torna-o órfão, isolado, ponto único original de toda razão. Acredita ele que pode tornar-se inventor do mundo e de seu próprio destino.
Na verdade, sem a família, o ser torna-se desprovido do filtro das opiniões vitais (muitas vezes impertinentes e invasivas, outras tantas amorosas e ternas) de seus genitores e familiares.
Nesse ser humano desenraizado (que não distingue entre amor e impertinência e se recusa a aprender tal distinção) passam a imperar os seus desejos imediatos. Estes parecem eternos, pois é a família que ensina a transitoriedade dos desejos.
Sem as opiniões dos seus pais, que foram amadurecidas pela observação e experiência, passa a ser dominado pelas suas próprias opiniões, que se apresentam arrogantes, pois referenciadas a partir de impressões naturalmente desprovidas de observação e experiência.
Movido pela crença que seus direitos predominam sobre todas as relações, abandona o sentimento de amor, de ternura, de compaixão, que preside a família. Que exige graus variáveis de renúncias à individualidade. E aos direitos.
Principalmente, esse ser abandona a relação de confiança que deve ter com a sua origem. Esta passa a ser foco de desconfiança.
O ser recusa de onde veio, lhe dá valor apenas operacional, biológico. Desconsidera a complexidade da relação afetiva de seus pais, da relação afetiva que estes tem com ele. E, assim, se torna um ser incapaz de reconhecer sentimentos.
Pois os sentimentos alheios passam a ser avaliados apenas em função da sua capacidade de satisfaze-lo: torna-se, evidentemente, facilmente manipulável.
Assim carente de sentidos, se aproxima do Estado, de movimentos políticos, de corporações, de mídias. E é, por eles, controlado. Sem valorizar suas origens, torna-se prisioneiro do momento, e o momento, por ser transitório, nada é.
Jamais consegue encontrar nas relações que faz no mundo, aquilo que se encontra na família: o perdão. Torna-se, portanto, também uma pessoa impiedosa.
Não é difícil criticar a família. Dentro dela ocorrem todos os pecados. Todos os conflitos. Tudo aquilo que tem o ser humano de disfuncional está presente dentro dela.
No entanto as primeiras e mais essenciais experiências sobre o humano se dão dentro dela. A família é uma escola de relacionamento, nos ensina a atitude firme e a ternura, convida permanentemente ao perdão.
Por ser núcleo oriundo de um ato essencial, de amor, ela é, apesar de tudo, o espaço onde tal sentimento vital é percebido de forma mais intensa, com toda sua gravidade e polissemia.
É o meio pelo qual a experiência é transmitida, aprende-se a viver e a se defender, e, num mundo de direitos arrogantes, ela ensina a prudência.
E nela, acima de tudo, se encontram as pessoas que melhor conheceremos em toda nossa vida.
Evidentemente que ninguém poderá jamais viver sem uma família, e todas as experiências, feitas no século XX, de destruí-la, fracassaram.
Mas a cada vez que se tenta romper com ela, muitos pessoas são condenadas à infelicidade.
Alguém pode dizer: mas assim é a vida. E nós responderíamos: de fato, assim ela é.
Sempre coube ao ser humano desafiar tudo aquilo que trabalha pela sua infelicidade. Sempre foi seu destino alcançar o espaço da ternura, do perdão e do amor.
E sempre coube ao ser buscar construir e defender sua família. Continua assim.
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