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Desconstruindo a utopia, encontrando a verdade



Edgard Leite Ferreira Neto


A tentativa de construir uma sociedade que corresponda aos desejos humanos e não às suas realidades é tão antiga quanto a história. Por que o mundo não é como eu quero? Por que não consigo as coisas que procuro? Por que não posso construir um mundo que dê conta das minhas necessidades?


O conhecimento, a sujeição e o domínio, o avanço sobre o desconhecido, permite ao Homem melhorar as suas condições, em muitas circunstâncias. Mas a dor de viver no mundo, segue, contínua, mesmo com todo conhecimento e toda anestesia. Porque a condição de aqui viver tem certas características, suas próprias, da qual a morte é uma das mais evidentes.


Podemos ignorar tudo isso, pela anestesia e pela ciência? Podemos, sim, construir uma ilusão em torno de nós, uma cidade que seja ordenada de tal forma que pareça ser perfeita e desprovida das nossas improvisações e imperfeições. A tentativa disso marca os planos arquitetônicos humanos desde épocas remotas. E a arqueologia está cheia de cidades planejadas e que viraram ruínas, e a realidade repleta de planos arquitetônicos que colapsaram diante dos percalços do desenvolvimento das sociedades.


Com a ciência contemporânea, Iluminista, esse desejo se elevou a níveis nunca antes vistos. A tentativa de ordenar cidades se estendeu à ordenação dos homens. Construir sociedades nas quais não exista o natural, que é instável e mortal, ou inevitável e previsível, passou a ser um objetivo de muitos. A ideia de construção de uma utopia, de um não-lugar, se tornou tão forte que desafia todo bom senso.


É evidente que o próprio fato de ser uma ou-topos, um lugar inexistente, já declara, por si, seus limites de realização, e pressupõe que podemos viver neste mundo dentro de uma realidade imaginária ou impossível. A angústia e o ódio que tal ideia gera é compreensível, porque os limites do conhecimento são tão grandes, dada nossa pobre condição, que manipular o universo inteiro em benefício de nossos planos se afigura como absolutamente impossível. Só a vaidade, transformada em força política, pode ousar esse objetivo e, por isso, como toda vaidade, é hostil ao próximo, que mostra, na sua grandeza, nossa pequenez.


Toda utopia, do século XVIII, para cá, principalmente as sociais, redundaram em banhos de sangue de gravidade crescente. Porque crescente é a tecnologia de sujeição e domínio, já que cada vez mais se conhecem as coisas. Não há resultado, no entanto, e nem pode haver, pois estamos imersos na natureza, fazemos parte dela, e se voltar contra ela é se voltar contra nós mesmos. Só há, portanto, guilhotinas, campos de extermínio, perseguições, atrocidades e sujeira e mais lixo, sempre.


Mas como isso sempre existiu, embora não com essa tecnologia toda, realmente aniquiladora de tudo, sempre a sabedoria indicou a resposta da aceitação como capaz de impedir as tragédias do pensamento utópico. Aceitar sempre o conhecimento, o domínio e a sujeição do mundo como naturais, porque é mandamento. Mas também aceitar integralmente os limites disso tudo.


O encaminhamento moral do conhecimento e dos projetos de domínio é a garantia de que os limites não se transformarão em inimigos a serem eliminados (e os principais limites estão na alma humana), mas se tornarão aliados.


Isso significa que a grande transformação do ser não está num não lugar, mas no interior da consciência. Na nossa realização como seres humanos virtuosos. A grande revolução não está na construção de uma sociedade não existente, na transformação da política numa vertigem de impossibilidades. Mas sim no alcance interior da serenidade, do equilíbrio, da compaixão, no reconhecimento e aceitação do mundo. E isso, sem dúvida está relacionado à abertura a Deus, sua mensagem e razão.


Os efeitos disso sobre a sociedade são imensos e benéficos, e permite que a vontade de conhecer e dominar encontre no mundo limites morais para o seu desenvolvimento, o que harmoniza o sonho com a realidade, a aparência com a essência e o desejo com a verdade.

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