O intelectual e o poder
- Edgard Leite
- 15 de jun.
- 3 min de leitura
Atualizado: 22 de jun.

Eduardo Portella (1932-2017) foi um dos mais importantes intelectuais brasileiros da segunda metade do século XX. Em 1983 publicou um livro extremamente sério e profundo chamado O intelectual e o poder. Entre 1979 e 1980 foi ministro da Educação e Cultura no governo João Figueiredo. O intelectual e o poder é um ensaio meditativo sobre a natureza do pensamento, decorrente de sua experiência no exercício de um cargo público no período final do regime militar.
Num texto anterior tratamos do estudo de Lewis Feuer sobre os intelectuais no mundo contemporâneo e sua tese sobre como estes acabaram se distinguindo dos cientistas-filósofos, que buscam a verdade, enquanto os intelectuais se fundamentam em ideologias.
A visão de Portella guarda algumas similitudes com o pensamento de Feuer: ele também considera uma separação no mundo acadêmico, mas, na sua experiência, é uma divisão entre o intelectual e o especialista. Não enquanto antagonistas no universo acadêmico, mas sim como dois atores que, da universidade, atuam politicamente, em determinadas, mas diferentes, direções. E essa divisão não compromete a importância do intelectual nem o desqualifica.
Portella, realmente, embora critique tanto os intelectuais ideológicos de esquerda, autoritários e patrulhadores, quanto aqueles que chamou de "reacionários", ou que se colocam "à disposição de todo imobilismo", é otimista sobre a verdadeiro papel do intelectual na sociedade:
"Ao intelectual cabe a tarefa de distinguir, desembaralhar, de pensar a diferença. Sem qualquer dogmatismo - como um paciente construtor de pontes, como produtor ou agente de relações livres".
Isso porque o intelectual autêntico possui não um compromisso com a ideologia ou com o imobilismo, mas sim com a verdade:
"A força da verdade, que se manifesta como a vida do mundo - esse lugar da prática intelectual radical - constitui o seu guia".
Esse resgate tão bonito do papel do pensamento numa vida dedicada a conhecer, portanto, retira o intelectual do lugar antipático que Feuer lhe colocou. Talvez porque, no Brasil, a nossa tradição de pensamento seja, acima de tudo, uma tradição que, embora relativamente isolada na sociedade, possui, no entanto, profundo compromisso com a liberdade.
Ao intelectual, segundo Portella,
"Não lhe será dada nunca a prerrogativa de esquivar-se do combate às formas explicitas e implícitas, às formas larvais de opressão. O que lhe compete, por índole e por situação, é realçar o inconformismo construtivo - pedra de toque de sua própria identidade - sem conceder à tentação do derrotismo".
Há, portanto, um envolvimento pessoal constante na vocação intelectual, um compromisso soberano com o pensamento e a liberdade. Realidade interminável no autêntico e necessário intelectual:
"O intelectual se apresenta menos pelo que pode e mais pelo que quer. Mesmo porque, se alguma vez ele puder, ele terá que começar um novo querer".
E aqui ele chegava ao tema de sua angústia, que foi a de ministro exonerado por optar pelo pensamento. Mas isso serve para qualquer cargo, função ou momento de poder que o intelectual comprometido venha a exercer durante sua vida de pensador:
"O intelectual é mais efêmero no interior do poder - efêmero enquanto indivíduo, e jamais como função pública - porque os acordos imprescindíveis à sobrevivência chocam-se com sua própria condição crítica. Buscando a permanência ele se nega enquanto liberdade". Assim, "a presença do intelelectual no Estado só deve ser admitida se ele for de maneira muito peculiar o anti-Estado"
Assim, quando se levantou contra Portella que nele havia uma duplicidade conflitante de interesses: o ser intelectual, por um lado, e homem público, por outro, ele não teve dúvida de proferir sua frase histórica: “não sou ministro, estou ministro”.
O compromisso do intelectual com o conhecimento, portanto, segundo Eduardo Portella, deve se sobrepor a todos os obstáculos colocados pelo poder. Quer o derivado do fascínio pessoal pela autoridade, quer o decorrente da ação coercitiva do próprio Estado, por exemplo. Obstáculos que impedem a busca pela verdade, ou criam entraves no caminho da realização do pensamento.
Portella, Eduardo: O Intelectual e o poder. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1983. Pp. 24, 26, 27, 29, 92, 113 e 117.
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