Edgard Leite Ferreira Neto
A profissionalização dos cientistas, a necessária limitação a temas cada vez mais específicos, faz repousar sobre as grandes teorias o papel de elemento construtor dos sentidos. Mas ao se concentrar nos pontos específicos e desenvolve-los absolutamente, nem sempre se acompanha outros desenvolvimentos específicos e a natureza dos limites com os quais as teorias gerais se defrontam.
Esse processo foi, no entanto, generalizado a todos os saberes acadêmicos, inclusive às Humanas. Especialmente à História. O fracasso das grandes teorias históricas fez desaparecer esse quadro maior de referência. Remeter o estudo qualquer a uma teoria do micro, apenas, com o objetivo de estabelecer, a partir do pequeno, um sentido do maior, passou a ser uma tendência. Mas isso desfaz a possibilidade de se aproximar a uma teoria geral do Homem no tempo que possa nortear o micro e inserir, neles, sentido.
O Genesis registra a impressão de Deus diante do mundo: "e chamou Deus à porção seca Terra; e ao ajuntamento das águas chamou Mares; e viu Deus que era bom" (Gn 1:10). Este mundo é bom, porque é expressão de um espírito anterior a ele, perfeito. Este universo tem suas leis, que tornam, para nós, muitas coisas previsíveis. E isso é bom, também. Mas há algo nele que não pode ser alcançado pela mente humana.
Isso porque existe uma dimensão sobre a qual não temos controle, por mais que nos esforcemos em conhecer este mundo: o extraordinário. Há sempre uma coisa que foge à especialidade, por isso há sempre campo aberto para todos os especialistas desenvolver de forma infinita suas pesquisas especiais. Há sempre algo que foge às teorias gerais, por isso há sempre novas teorias.
Qualquer teoria geral, sobre qualquer coisa é sempre um campo aberto que gera impossibilidades de fechamento. Os teóricos do século XIX, Marx, Comte, Hegel, achavam possível encerrar uma narrativa total. E o fizeram, ousadamente. Mas sem qualquer efeito sobre o mundo. Seus sistemas totalizantes foram absorvidos pela sucessão dos acontecimentos e, nunca tendo sido funcionais, passaram a nada significar. Einstein achava possível desenvolver uma teoria do “campo unificado”, que desse conta de todos os campos da Física. Mas nunca o fez.
Em História, não há teoria que possa permitir explicar tudo. Porque o extraordinário, que muitos sempre chamaram de Deus, atua cotidianamente sobre aquilo que parece ser previsível. E, se no tempo, podemos estabelecer alguma previsão, esta é sempre quebrada pelo extraordinário.
Quando voltamos a São Tomás não é porque somos, como alguém me disse outro dia, arcaicos e de outro tempo, mas sim porque precisamos inserir na narrativa a presença do mistério. E, dos grandes sistemas concebidos pelo Homem (podemos entre eles incluir o Vedanta? Provavelmente, mas sabemos que lhe falta a valorização do mundo que é própria da tradição bíblica). E dos grandes sistemas concebidos pelo Homem, repetimos, o Tomismo é o único que indica o papel central do mistério. E a consciência do mistério, e o temor que ele inspira, é elemento que estabelece um horizonte moral ao pesquisador.
Muitos especialistas se satisfazem com a precisão, a ausência do mistério, e isto buscam. Mas ao longo do tempo se dão conta que os limites do preciso são cada vez mais distantes e que repousam na absoluta imprecisão. Nisso se encontra o questionamento básico da ciência, que se desenvolve a partir da percepção do enigma.
Se admitimos que nada há, de nada adianta buscar. Mas se admitimos que a ordem que estrutura o mundo vem do bom, e que o extraordinário tem um sentido, tudo, inclusive as pesquisas, se torna movimento na direção de limites infinitos, do reconhecimento que a vida repousa no mistério e que a ciência é comentário sobre o extraordinário.
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