Edgard Leite Ferreira Neto
O controle do pensamento alheio surge como necessidade dos projetos que pretendem reinventar o entendimento. Mas é claro que todo esse esforço naufraga exatamente no fato de que o pensamento não é controlável por outras pessoas além daquela que pensa.
A intensa produção de entendimentos concordantes está normalmente à mercê de um projeto qualquer de poder, que exige este ou aquele princípio conceitual estruturante. Por mais absurdo que esses entendimentos possam ser, a sua imposição às consciências é justificada por conta do poder que emergirá a partir de muitas concordâncias.
Existem aqueles que concordam. E, não apenas isso, dão sua contribuição pessoal a um processo qualquer de construção de um sistema intelectual. Os intelectuais, neste movimento, são relevantes, porque as narrativas de poder são construídas de fragmentos conceituais retirados daquilo que afirmam e sustentam. É natural que políticos desejem essas construções e arrazoados, para sustentar aquilo que pretendem.
Mas há, nisso, algo mais profundo, que diz respeito àquilo que pode ser pensado e reproduzido de forma sustentável e àquilo que não guarda correlação com as coisas reais do mundo. O pensamento possível se estrutura em cima do que é verdade. Tudo nele se desenvolve de forma natural, e expressa algo que realmente existe.
O pensamento impossível, ao contrário, é quimérico, improvável, repleto de expectativas irrealizáveis ou mentirosas. Geralmente é este que pretende se impor, por diversos tipos de pressão de natureza moral ou física. Porque é difícil se aceitar livremente algo que seja contrário ao que é, a não ser por medo ou por opção suicida diante do verdadeiro.
Um dos movimentos para a construção desses consensos improváveis é o isolamento da dissidência. Este é aquele tradicional movimento da espiral do silêncio, no qual se isola o dissonante e lhe nega a possibilidade de ser ouvido, a fim de arremessar o pensamento não aceito para a terrível situação de não se realizar como evento social, o que, sendo o Homem um animal político, é, basicamente, uma sentença de prisão- ou de morte.
Trata-se de um constrangimento absoluto, que significa muitas coisas, na prática. Realiza-se através da desqualificação do pensador, da afirmação da impossibilidade de sua razão, e a postulação de sua não-existência enquanto pensamento. Qualquer pessoa submetida a tal movimento, e isso é bastante comum em ambientes intelectuais, compreende que esse processo possui letalidade e pretende fulminar a existência de algo cuja ameaça é tamanha (e não falamos aqui de qualquer pensar específico, mas do simples fato de pensar diferente) que é necessário essa sentença de morte em vida. Muitos sucumbem a isso. Pela eficiência real desse procedimento.
Mas quando guardamos, em nós, a convicção de que a verdade existe, e que ela deve ser o fundamento ou objetivo do pensamento, e que, acima de tudo, o que fazemos é, para nós, absolutamente claro e realizador da consciência, não há silêncio que possa impedir o pensar dissidente.
Ao contrário, nesses casos, a espiral de silêncio é uma dádiva. O reconhecimento de uma verdade que não pode ser negada, de algo que, por sua grandeza, sequer pode ser reconhecido, por quem silencia, como fundamento para um diálogo. Mas que não é grandeza por ser um argumento ou pensamento brilhante, mas por exprimir a verdade. Por desafinar um coro de vozes prepotentes e irreais.
Estar inserido numa espiral de silêncio, não deve, portanto, àquele que entende, ser considerado como uma prisão, como uma sentença de morte, mas sim como uma conquista: a conquista de um espaço de exercício da liberdade de consciência, o reconhecimento, por aqueles que o silenciam, de uma consciência que se ergue como uma casamata isolada e inacessível na violência de uma guerra mítica.
A espiral de silêncio deve gerar tranquilidade da alma, e ser entendida como uma benção ou uma graça, para quem acredita na liberdade de pensamento, no bom senso, na razão e na verdade. E quem assim é isolado sabe que essa espiral, por vir de desejos impossíveis, está condenada a se dissolver e a se dissipar.
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