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A história das questões eternas

Em 1947, Hans Meyer começou a publicar sua História da visão de mundo ocidental (Geschichte der abendländischen Weltanschauung) Há na sua obra um esforço analítico impressionante e profundo. Por ela é evidente a sua grande capacidade de concentração intelectual e a alta qualidade de seu magistério na Universidade de Würzburg, na Baixa Francônia, especialmente durante a II Guerra Mundial.


Alguma coisa já se escreveu sobre sua atitude resiliente durante o nazismo, considerando que o regime lhe negou a ascensão na carreira universitária, bem como sua tragédia individual correlata, ao ter seus dois filhos mortos na guerra. Filósofo tomista, reproduzimos, em nosso último livro, uma significativa observação sua que consta no A Filosofia de São Tomás de Aquino. O texto, publicado em 1938, contém a tensão de sua reflexão intelectual naqueles anos horríveis na Alemanha:


"Do ponto de vista metafísico o Homem é independente da comunidade no que diz respeito à sua origem", "as pessoas são os pilares nos quais a sociedade repousa" . "O Homem não é inteiramente subordinado à comunidade política", e "os direitos da comunidade sobre o indivíduo não são ilimitados e absolutos, pois as leis divinas e naturais estabeleceram barreiras em defesa do individual", e a "pessoa possui direitos que não podem nunca ser tocadas pela comunidade".


Foi durante o período da guerra que Meyer produziu as notas necessárias para a preparação da sua História da visão do mundo ocidental. É um trabalho ambicioso, sobre o qual pretendemos escrever outras observações em próximas oportunidades. Cabe, no momento, chamar a atenção para a natureza teórica geral de seu trabalho, particularmente a maneira como pensou os objetivos gerais de uma história da Filosofia, uma história do pensamento.


Para Meyer, existe uma história do pensamento que é, numa dimensão, a história das ideias entendidas cientificamente, a história da Filosofia e, noutra dimensão, a história das visões de mundo das sociedades, pensada a partir de um entendimento filosófico. Tal história não é apenas a história da transformação do entendimento humano sobre as coisas, ou da sua repetição sistemática ao longo do tempo, mas a história da resposta humana à questões eternas:


"As perguntas sobre a essência da realidade, sobre a constituição e a origem do mundo; sobre a causa primeira do universo, sua natureza e sua relação com o mundo; sobre a estrutura da realidade; sobre a composição das diversas camadas do ser; sobre a natureza da matéria, da alma e do espírito e suas interrelações; sobre o lugar do ser humano no conjunto dessa realidade", são as grandes perguntas, respondidas continuamente, de diferentes formas, ao longo de incontáveis momentos, gerando transformações na visão de mundo das sociedades.


E, continua,


"Tratam-se de perguntas sobre o sentido do mundo, sobre o sentido da vida humana, sobre os valores e os mecanismos de ordenação da vida, individual e coletiva, sobre o ser e o sentido da cultura e da história".


Como defende, são perguntas que, na sua opinião, não são respondidas apenas pela Filosofia, pois todas as formas de conhecimento lidam com essas questões. A poesia, por exemplo, os mitos ou a religião:


"a necessidade de construir uma dada visão do mundo, já existe no mito e na religião, muito antes que o eros filosófico surja. A razão disso está o fato de que, ontologicamente, o concreto precede o abstrato e, do ponto de vista psicológico, a intuição e a imaginação vem antes da abstração científica, e no plano vital, o mito e a religião são mais próximos da vida e da existência".


Assim, o filósofo, se assume o papel de historiador das visões de mundo, deve considerar, acima de tudo, como os grandes problemas, entendidos pelo pensamento filosófico como dúvidas humanas essenciais, são respondidos pelos diferentes sistemas de pensamento e visões de mundo ao longo do tempo. E deve faze-lo com um instrumental filosófico que é, ele mesmo, também submetido à influência da experiência temporal.


Assim, sustenta que "visões de mundo extracientíficas e científicas frequentemente possuem os mesmos objetos, têm as mesmas intenções, apenas seguem caminhos diferentes na forma de apresentação e fundamentação, e frequentemente se combinam ou se fundem umas nas outras".


Donde concluiu que a história da Filosofia, ou, de forma mais ampla, das visões de mundo "é uma história de problemas". Não de qualquer problema, mas dos grandes problemas postos diante da verdade, e como tais são tratados ao longo do tempo. As mudanças do mundo material e sua vivência introduzem, aqui e ali, transformações no entendimento, ampliando perspectivas e promovendo saltos na própria Filosofia em seus caminhos na direção da verdade.


Há, portanto, uma realidade do Homem que é "supratemporal ou trans-histórica": as suas questões fundamentais. Podemos aprender com a história o fato de que sempre buscamos responder, no pensamento, a esse questionamento essencial, sem o qual não podemos nos construir como pessoas humanas. E o fazemos através de uma busca permanente: erros, acertos, avanços, retrocessos. Mas sempre amadurecendo nosso entendimento da verdade, convergindo nosso entendimento na direção da realidade e testando-o.


Infinitamente, no momento, e até o fim, no tempo contável no qual vivemos.



SCHORCHT, Chlaudia: Philosophie an den Bayerischen Universitäten 1933-1945  in Philosophie und nationalsozialismus.  Mitteilungen des instituts für wissenschaf tund kunst 47. JG. 1992. p.12

MEYER, Hans: The philosophy of St. Thomas Aquinas. London, Herder, 1946. P.447

MEYER, Hans: Geschichte der abendländischen Weltanschauung. I. Band Die Weltanschauung des Altertums. Würzburg, Verlag Ferdinand Schöningh, 1947. pp. 2-4




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