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A dimensão real do Homem

Atualizado: 17 de ago.

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Vivemos séculos sob o domínio institucional  de pensamentos arrogantes. Toda a tradição intelectual que tem início no Ocidente naquele movimento que denominamos de Iluminismo, prima pela vaidade e arrogância. E este é um juízo de valor importante, para podermos dimensionar exatamente o que nos oprime nesses pensamentos e no que nos deformam quando por eles entendemos as coisas. Em nosso tempo essas formas de pensar, em suas múltiplas versões e inflexões, estão presentes em todos aqueles que buscam pensar a vida a partir de parâmetros tidos por culturalmente aceitáveis. Há razões concretas e justificáveis para para que isso ocorra, no entanto.


O ato de interferir na natureza, transformando-a em nosso benefício, enche a consciência de um dado senso de potência. E estamos a todo momento fazendo isso, ou seja, a todo instante buscamos alterar o mundo em função daquilo que desejamos. O movimento para acreditar nessa potência é, portanto, justificado pela necessidade da ação. E tal potência é mesmo parte integrante da própria razão do ser.


Em tal sentido, a tentação de hipertrofiar o alcance das potencialidades pessoais em tais movimentos é, até certo ponto, um desvio natural, e isso sempre foi uma questão existencial. Por isso o alerta antigo sobre a vaidade e a arrogância, que emergem da convicção de que o controle sobre os instantes pode ser contínuo e aquele que assim o faz com sucesso é capaz de garantir para si uma expansão e domínios ilimitados sobre as circunstâncias.


Tal movimento sempre existiu, e o alerta quanto à natureza imprecisa da ação do Homem sobre o mundo nem sempre é eficaz. Principalmente em tempos onde impera o elogio da potência individual e onde os sucessos da ciência e da matemática aplicada alimentam ilusões diversas sobre a capacidade de intervenção nas coisas do mundo. Nestes momentos históricos, onde a humildade do Homem diante de Deus é desconsiderada como experiência dotada de sentido, é claro que o pensamento fica livre para manifestar toda sua vaidade e toda sua arrogância.


Vaidade por se entender capaz de não apenas contemplar o mundo, mas sim de dirigi-lo e moldá-lo de acordo com as fantasias humanas. Arrogância, porque desconsidera tudo aquilo que é surpreendente, que é extraordinário e que não se enquadra nesse movimento contínuo, supostamente bem sucedido, de transformar a realidade.


Mas o que pensar assim nos torna? Inicialmente, pessoas isoladas, imersas em pedestais particulares, alheias à incompletude contínua das ações humanas no mundo, em permanente estado de negação diante da realidade ou do império das surpresas. Crentes em uma inteligência individual capaz de abarcar o universo inteiro, mesmo estando contida neste corpo transitório.


Grande parte dos intelectuais contemporâneos trabalha imbuído dessa convicção de que devemos pensar apenas no sentido do controle e da transformação do mundo. Que novos sistemas devem sempre ser concebidos de maneira que nossa atuação nas circunstâncias seja capaz de alterar a realidade das coisas e propiciar o triunfo da consciência sobre a natureza, sobre o impossível e o desconhecido. Quase não há lugar, nesses sistemas, para a contemplação dos movimentos que fazem o mundo, da ponderação de suas origens desconhecidas, e da forma como pode ser transformador seguir essa correnteza que vem de fora do material sem pretender modificar seu rumo. Quão distantes de nós, de nossa mortalidade, esses pensamentos nos colocam!


Mas é certo que tais pensamentos nos falam de nossas possibilidades de transformar algumas coisas, embora estas não sejam grandes como se presume, e certamente nos alertam sobre a força de nossas imaginação e capacidade de delírio. Mentalidades contemplativas podem observar que, iluminando nosso olhar com nossas limitações, em um momento de lucidez podemos perceber o misterioso desafio do momento e todos esses pensamentos se transformem em vapor.


Escapar desse mundo de arrogâncias e vaidades exige o recuo silencioso da consciência ao nada do Homem diante do cosmo infinito, a submissão do sentido da vida ao império das excepcionalidades,  surpresas e espantos. Ao encontro harmonioso de nossa dimensão real diante do milagre da vida.

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