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Nietzche, o "eterno retorno do mesmo" e a história da Filosofia, segundo Heidegger

Friedrich Nietzche (1844-1900)
Friedrich Nietzche (1844-1900)

Martin Heidegger, em um de seus estudos sobre Friedrich Nietzche, sustentou que "a história da filosofia não é questão da historiografia, mas sim da Filosofia" Ele queria dizer, com isso, que não se tratava, nesse campo da História, de reconstituir a biografia dos filósofos, suas inserções sociais ou os efeitos de seus pensamentos em suas épocas e outras coisas semelhantes, mas sim de ponderar o desenvolvimento das grandes questões da Filosofia ao longo do tempo, como questões do ser, ou do ente, e as respostas que a estas são dadas pelo Homem. Nisso convergia com o tomista Hans Meyer, como observamos anteriormente, que também considerava a História da Filosofia como uma história do espanto do Homem diante do mundo que o cerca.


O assunto de Heidegger, desenvolvido em sua preleção, nesse texto, é o do eterno retorno do mesmo, tema desenvolvido por Nietzche ao longo de sua produção filosófica. Não se deve deixar de anotar que esse assunto não era de maneira alguma novo, na época de Nietzche. Nem estranho à tradição ocidental (ou à vida prática). Heidegger, de fato, o situa entre Parmênides, para quem o ser é "constância e presença, eterno presente" e Heráclito, para quem o "ente está em um devir constante, em autodesdobramento e em eventual dissolução". No entanto sabemos que também o Eclesiastes o formula claramente: "e o que se fez, isso se tornará a fazer. Não há nada de novo debaixo do sol"(Ec, 1:9).


O "eterno retorno do mesmo" de Nietzche possui, no entanto, sua particularidade lógica, exaustivamente reconstruída por Heidegger. Inicialmente, Heidegger anota que, para Nietzche, trata-se de um fenômeno ligado à "constituição da totalidade do mundo", isto é, a finitude que lhe é própria, e "de acordo com a finitude do devir é impossível o avanço e o progresso sem fim do acontecimento do mundo. Portanto, o devir do mundo precisa se voltar sobre si mesmo". Ou seja, como as coisas terminam sempre, o vir a ser no mundo precisa retornar ao que existe, ou que permanece. É realidade, do mundo, que só não ocorreria se existisse, nesse mesmo mundo, segundo Heidegger, uma "intenção que se ativesse previamente ao fim" e "o estabelecimento de uma meta derradeira".  Como Heidegger e Nietzche não acreditam na existência dessa intenção (que é, na Bíblia, aquilo que permite resolver o problema da eterna repetição), só lhe resta a experiência do eterno retorno. Dessa maneira, "o eterno retorno emerge da essência da própria vida". "O que se dá agora e no futuro é apenas um retorno, e em verdade, irrevogavelmente predeterminado e necessário". Embora Heiddegger, acompanhando Nietzche, reconheça que o eterno retorno também é, em certa dimensão, uma "crença".


Situando Nietzche nisso que poderíamos chamar de história do espanto humano, ou uma história da Filosofia, Heidegger fez a seguinte observação e colocou a decorrente questão:



A resposta, se depreende, é que ele é, simultaneamente, moderno e conservador. Acima de tudo, um filósofo. Seu pensamento questiona profundamente a Filosofia ocidental de seu tempo, perdida na grave questão dos sentidos do mundo, especialmente a ideia de progresso, porque ao pensar e expressar sua vontade de poder, de realização, encontrou o seu limite na existência (ao contrário do que acreditavam os crentes no progresso) e retornou ao mesmo. Isto é, "o pensamento de Nietzsche é o fim da metafísica, uma vez que retorna ao início do pensamento grego, assume esse início à sua maneira e assim fecha o anel formado pelo curso do questionamento sobre o ente como tal na totalidade". Mas, assinala Heidegger: "junto a essa questão é preciso que uma coisa fique de antemão clara: Nietzsche não repete de maneira alguma o início da filosofia com a figura que ela possuía outrora".



Mas eterno retorno do mesmo implica numa nova temporalidade, não na mesma. Não é uma viagem no tempo. Nietzsche recoloca, no seu espanto, e diante da impossibilidade do progresso, o pensamento no ponto de partida no qual o ser sempre está e estabelece, assim, um novo recomeço para o pensamento.


A história da Filosofia é também, portanto, a narrativa da história de um eterno retorno, diante dos limites do devir filosófico. Mas, aqui, cabe um importante adendo, para aquele que acredita na intenção atada primordialmente ao fim: é também uma história da busca da ruptura com o eterno retorno ou a história da realização da intenção. "É importante entender Nietszche para entender à nossa tarefa metafísica". Sim, concordamos, seja qual for a ideia que temos de metafísica. Mas, a partir de Heidegger, podemos considerar que as mesmas questões espantosas são sempre colocadas, embora de diferentes maneiras, ao longo do tempo. E que podemos tanto estar ligados ao eterno retorno, e o vivermos sempre, de diferentes maneiras, mesmo na Filosofia, quanto unidos à intenção previamente atada ao fim, e experimentando em diferentes modos seu significado. Principalmente ao tratar com as inclinações do Homem a ceder ou a ser capturado pelo eterno retorno. E é claro que este se relaciona, de forma evidente no caso de Nietzche, aliás, e de forma muito íntima, com a crença na intenção prévia direcionada ao fim.


A história da filosofia pode ser a história do eterno retorno ou a história da superação do horror ao eterno retorno e do encontro da intenção prévia, ou do sentido eterno. Mas não há como deixar de estabelecer o diálogo entre as duas dimensões de percepção do tempo e como elas interagem no ser. Este é, certamente, um dos temas mais relevantes da história da Filosofia.


Martin Heidegger (1889-1976)
Martin Heidegger (1889-1976)

1 HEIDEGGER: Martin: Nietzche, vol.I. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2010. p. 350.

2 Idem, ibidem, p.362

3 Idem, ibidem, p.285

4 Idem, ibidem, p. 314

5 Idem ibidem. P. 306-307

6 Idem, ibidem, p. 314

7 Idem, ibidem p.6

8 Idem, ibidem, p. 362

9 Idem, ibidem, p. 362

10 Idem, ibidem, p. 361

11 Idem, idem, p. 18

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